Serviços de Informações,<br>crise cíclica e doença crónica
O Sistema de Informações da República (SIRP) padece de uma doença crónica, que decorre da sua desconformidade congénita e progressivamente agravada com o regime democrático constitucional, no seu modelo, orgânica, funcionamento, controlo e fiscalização. É um mal degenerescente e tendencialmente insanável, com surtos infectocontagiosos, que atingem profundamente a própria democracia, e crises cíclicas, como a que estamos a viver, e que, no actual quadro, ameaçam tornar o SIRP, a curto prazo, democraticamente irreformável.
Sistema de Informações está à beira de se tornar democraticamente irreformável
Esta crise do SIRP manifestou-se a partir do «caso Bairrão», do presumível acesso do gabinete de Passos Coelho a dados do Serviço de Informações de Segurança (SIS) sobre um ex-futuro secretário de Estado e, sobretudo, do «caso Jorge Carvalho» (JC), do tráfico de informações do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) para a Ongoing, verificado quando da demissão e «transferência» de JC, vai para um ano, de Director do SIED para os quadros daquela empresa, e agora ressuscitado pelo Expresso, no desenvolvimento da guerra de interesses em torno da anunciada privatização da RTP.
Como aconteceu no «caso Freeport», em que nunca foi esclarecida a indiciada utilização do SIRP para intimidar a investigação criminal, que punha em causa o primeiro-ministro Sócrates, também estes «incidentes» estão envolvidos nas recorrentes guerras de interesses e lutas pelo poder – intestinas e entre PS e PSD, maçonarias e associações secretas, serviços de espionagem estrangeiros e sectores do poder económico. Este é um dado do sistema – a sua governamentalização e instrumentalização partidária e a sua manipulação por poderes ocultos e ilegítimos e directamente pelos «mercados».
Ilegalidade e vazio de fiscalização
A guerra pelo poder, que agora prepara a «decapitação» do comando do PS no SIRP e a sua substituição por quadros do PSD/CDS, não pode escamotear a «aliança estratégica» PS/PSD/CDS, de mais de trinta e cinco anos, que sempre votou e apoiou a sua desconformidade ao regime democrático. Assim se forjou a fusão progressiva dos serviços e a sua centralização no secretário-geral do SIRP, com estatuto de secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro. Os resultados são uma concentração de poder, na espionagem e contra-informação, como nunca houve em Portugal, nem no tempo do fascismo, e um instrumento determinante de impunidade, descontrolo, opacidade e ilegalidade, como agora mais uma vez se confirma.
Ao mais alto nível operacional não há ordens ou registos democrática ou judicialmente monitorizáveis, há apenas uma regra – o «segredo de Estado» –, que como explicou em 2005 Rui Pereira, ex-director do SIS e então ministro de Administração Interna do PS, serve até para cobrir todas as escutas da espionagem, tão ilegais como omnipresentes (questão de que – já se disse – têm de ser retiradas todas as implicações na intervenção e luta dos trabalhadores e do povo e na acção do Partido).
Neste quadro, os indícios de que JC traficou informações são, como sempre, totalmente opacos para o Conselho de Fiscalização do SIRP, um «faz de conta» mais ou menos decorativo e inócuo, que se limita a assinar de cruz o que os sucessivos governos lhe põem à frente. Desta vez, teve conhecimento dos factos apenas quando o primeiro-ministro soltou a informação indispensável para «justificar» a próxima rotação de quadros no SIRP, do PS para o PSD, entretanto (provavelmente) acordada na reunião com Seguro, do PS.
Os próximos combates
Mais do que as substituições no comando do SIRP, o que está colocado como objectivo deste Governo, a breve prazo, é a conclusão da fusão do SIS e SIED, que tem sido implementada pela troika PS/PSD/CDS desde 2004. Se e quando avançar, esse facto assumirá uma ruptura factual com a Constituição da República, fundindo ilegitimamente os conceitos de defesa nacional e segurança interna, fazendo entrar pela porta das traseiras, na ordem interna e na operacionalidade do SIRP, os conceitos USA e NATO de «segurança nacional» e «inimigo interno», para falsificar a «cobertura legal» do seu empenho no combate à «subversão» e criminalizar e reprimir a luta dos trabalhadores e do povo contra a política de direita e de abdicação nacional.
Estamos num momento decisivo para impedir que o SIRP atinja o ponto de não retorno e resulte democraticamente irreformável. É necessário unir todos os democratas e patriotas, nesta compreensão e luta, e travar os combates inadiáveis pelo esclarecimento das ilegalidades cometidas no SIRP pelo PSD/CDS ou pelo PS, pela sua fiscalização efectiva e pela garantia da sua conformidade à Constituição de Abril – antes que seja tarde!